A INCONGRUÊNCIA DAS RELIGIÕES DE SUPERFÍCIE

01/06/2012 10:13

Recentemente li em uma revista sobre Educação (Construir Notícias) edição março/abril 2012 o artigo de um Padre, o Sr. Nilo Luza estampado como "mensagem inicial" daquela edição com o título "Criados para a Eternidade". A edição trata do tema "morte" e de como falar com as crianças sobre esta "grande realidade" presente em nossas vidas.

 

O artigo escrito pelo Sr. Nilo Luza é curto e bem objetivo e representa proporcionalmente a visão de como determinados grupos religiosos encaram a vida e a morte. Analisando friamente a abordagem do padre diante desta temática ficamos realmente perplexos de como é deveras desolador e vazio as consequencias advindas de uma visão superficial da natureza e essência das coisas. Vindo de um individuo considerado um "profissional da religião", sacerdote e espiritualista em razão mesmo do oficio que exerce é realmente lamentável! Explico.

 

Ele inicia seu artigo escrevendo o seguinte:

 

"É quase impossível passar os dias sem pensar na morte. Estamos constantemente envolvidos por mortes naturais e mortes prematuras - causadas pela violência, pelo trânsito, por falta de recursos necessários à vida, por acidentes diversos."

 

Até aí tudo bem. Esta é a dura realidade que vivemos. São fatos que a mídia divulga diariamente e se hoje aparentemente as coisas pra esse lado da violência e das mortes parece ter aumentado pode-se racionalmente argumentar que tal "excesso" tem sua origem na forma mais rápida e fácil como as informações são passadas pelos meios de comunicação nos nossos dias. É quase certo que se em outros períodos da história dispussemos de tais meios, a intensificação das mortes e violências pelo mundo poderiam ser bem maiores, em face de maior divulgação tal como ocorre hoje. Na idade média, por exemplo, sabe-se que nenhum homem poderia andar e perambular pelas ruas de uma cidade ou pelos campos sem uma arma porque correria o risco de ser assassinado e além disso a expectativa de vida era reduzidissima, seja por tais mortes violentas e prematuras, seja pelos diversos tipos de doenças cujo diagnostico até então eram desconhecidos pela medicina incipiente da época.

 

Mas continuemos para ver o quanto incogruente o discurso ficará. Vejamos:

 

"Por outro lado, a celebração de finados nos oferece profunda reflexão sobre a vida presente e futura, do hoje e do amanhã. Por mais que a humanidade queira saber e por mais que a medicina e a ciência avancem, a vida futura sempre será uma incógnita, uma incerteza. Mesmo diante dessa dúvida, a vida presente tem de ser acolhida e vivida intensamente. O único tempo que nos pertence é o presente. O passado, que pode nos deixar lições, já foi e não nos pertence mais; o futuro está nas mãos de Deus. Importa viver bem o presente. Agora é o momento em que podemos construir a felicidade para o presente e para o futuro. Não deixemos para amanhã o que podemos realizar hoje, pois o amanhã pode não chegar."

 

Agora, amigos, vejam o absurdo. Um sacerdote declarando que a "vida futura sempre será uma incógnita, uma incerteza"; que "o único tempo que nos pertence é o presente"; e mais essa: que "importa viver bem o presente"; e esta outra expressão: "pois o amanhã pode não chegar".

 

Não é de "gelar a alma" tais expressões vindas de um religioso? Você expressaria sua esperança, sua fé em uma vida futura da alma, sua crença na imortalidade da alma a um "representante de Deus" que nos diz que "a vida futura sempre será uma incógnita"? Ou que o "amanhã pode não chegar"? Sim, concordamos que o "amanhã pode não chegar", e ele não chegará para o ser mortal, finito que somos, acoplados que estamos a um corpo mortal perecivel, tal o corpo denso que possuimos e que representa a "imagem limitada" daquilo que somos em essência, a antítese daquilo que nos eleva acima dos seres brutos e demais espécies vivas inferiores que é a consciência do existir e do pensar em Deus.

 

Um materialista, um ateu, um cético não pensaria melhor dentro daquilo que "crê". O materialista só vê o presente e só acredita naquilo que pode ser visto e tocado; o ateu não crê em Deus e em consequencia não acredita em Espíritos ou qualquer outro tipo de entidade invisivel aos olhos; um cético duvida de tudo, e tudo é incerto; além disso, para ele o conhecimento é relativo. Ora, diante disso, estaria o Sr. Nilo Luza, um espiritualista, um padre, corroborando as teses de materialistas, céticos e ateus com suas declarações? Seria ele um "padre materialista"? Quero acreditar que não porque tal consideração, creio eu, destoaria em muito daquilo que ele mesmo acredita e daquilo que apregoa aos fieis em relação à vida futura da alma no "seio de Deus".

 

Bem poucos homens vivem despreocupados do dia seguinte. Ora, se cada um se inquieta pelo que virá após o dia que está transcorrendo, com mais forte razão é natural se preocupe com o que haverá depois do grande dia da vida, pois já não se trata de alguns instantes, mas da eternidade.
Viveremos ou não viveremos, findo esse grande dia? Não há meio-termo; é uma questão de vida e de morte; é a suprema alternativa!...
Se interrogarmos o sentimento íntimo da quase universalidade dos homens, todos responderão: “Viveremos.” Essa esperança constitui uma consolação. Entretanto, uma pequena minoria se esforça, e isso não é de agora, para demonstrar que não viverão. Fez e faz seguidores até hoje, e é preciso confessar, os fez principalmente entre os que, temendo a responsabilidade do futuro, acham mais cômodo gozar sem constrangimento do presente, sem se perturbarem com a perspectiva das conseqüências. Essa, porém, é a opinião de uma pequena minoria.


Se havemos de viver, como viveremos? Em que condições viremos a nos encontrar? Aqui, sabemos o quanto as teses variam a respeito, de acordo com as idéias religiosas e filosóficas.

 

Mas tomemos como doutrina representativa das declarações do Sr. Nilo Luza, a tese materialista.

 

Se a inteligência do homem é uma propriedade da matéria, ela nasce e morre com o organismo. O homem nada é antes, nem depois da vida corporal. Correto? Ora, que conseqüências poderemos deduzir daí? Deduz-se que sendo o homem apenas matéria, os gozos materiais são as únicas coisas reais e desejáveis; as afeições morais carecem de futuro; os laços morais na morte são quebrados sem remissão e para as misérias da vida não há compensação; o suicídio vem a ser o fim racional e lógico da existência, quando não se pode esperar atenuação para os sofrimentos; inútil qualquer constrangimento para vencer os nossos vícios e más tendências; que cada um viva para si o melhor possível, enquanto aqui estiver já que é estupidez vexar-se e sacrificar o repouso, o bem-estar por causa de outros, isto é, por causa de seres que por sua vez serão também aniquilados e que ninguém tornará a ver; os deveres sociais não tem fundamento, o bem e o mal são meras convenções; por freio social unicamente só há a força material da lei civil.

 

Estas são reflexões sensatas que nenhuma pessoa em sã consciência negligenciaria se parasse para pensar um instante sobre a superficialidade de declarações como as que são feitas por falta de um estudo mais profundo.

 

Ora, amigos leitores, é certo que vivemos, pensamos e operamos e isso é positivo. E que morremos, não é menos certo. Mas, deixando a Terra, para onde vamos? Que seremos após a morte? Estaremos melhor ou pior? Existiremos ou não? "Ser ou não ser", tal a alternativa; É para sempre ou para nunca mais? Será tudo ou nada: Viveremos eternamente, ou tudo se aniquilará de vez? É uma tese, essa, que se impõe.

Todo homem experimenta a necessidade de viver, de gozar, de amar e ser feliz.

Diga a um paciente terminal que ele viverá ainda; que a sua hora é retardada; diga-lhe sobretudo que será mais feliz do que porventura o tenha sido, e o seu coração se alegrará!

 

Mas, de que serviriam essas aspirações de felicidade, se um leve sopro pudesse dissipá-las? Haverá algo de mais desesperador do que esse pensamento da destruição absoluta? Afeições caras, inteligência, progresso, saber trabalhosamente adquiridos, tudo despedaçado, tudo perdido! De nada nos serviria, portanto, qualquer esforço no cerceamento das paixões, de fadiga para nos ilustrarmos, de devotamento à causa do progresso, desde que de tudo isso nada aproveitássemos, predominando o pensamento de que amanhã mesmo, talvez, de nada nos serviria tudo isso. Se assim fora, a sorte do homem seria cem vezes pior que a do bruto, porque este vive inteiramente do presente na satisfação dos seus apetites materiais, sem aspiração para o futuro. Entretanto é consolador termos no íntimo a secreta intuição que tal estado de coisas não é possível. Para o homem mau seria uma grande satisfação o deixar de existir para sempre na morte, porque teria ele gozado a vida de forma plena segundo suas ideias com tudo o que de mais sensual e desregrado ela pode oferecer e ao final estaria ele livre de qualquer penalidade, de quaisquer fadigas e vícios já que todos eles estariam aniquilados junto com a vida miserável que possuia!

 

É preciso declarar ao caro Padre Nilo Luza que pela crença em um "futuro incerto" para nossas almas, o homem concentra todos os seus pensamentos, forçosamente, na vida presente.

Logicamente não se explicaria a preocupação de um futuro que se não espera. Esta preocupação exclusiva do presente conduz o homem a pensar em si, de preferência a tudo: é, em realidade, Sr. Nilo Luza, o mais poderoso estímulo ao egoísmo, e o incrédulo é conseqüente quando chega à seguinte conclusão: "Gozemos enquanto aqui estamos; gozemos o mais possível, pois que conosco tudo se acaba; gozemos depressa, porque não sabemos quanto tempo existiremos!"

Ainda conseqüente é esta outra conclusão, aliás mais grave para a sociedade: "Gozemos apesar de tudo, gozemos de qualquer modo, cada qual por si: a felicidade neste mundo é do mais astuto!"

 

E se o respeito humano contém a alguns seres, que freio haverá para os que nada temem? Acreditam estes últimos que as leis humanas não atingem senão os ineptos e assim empregam todo o seu engenho no melhor meio de a elas se esquivarem.

 

Se há uma doutrina insensata e anti-social, é, seguramente, o niilismo (a crença no nada, no vazio, na não existência pós-morte) que rompe os verdadeiros laços de solidariedade e fraternidade, em que se fundam as relações sociais.

 

Suponhamos para exemplificar que, por uma circunstância qualquer, todo um povo adquira a certeza de que em oito dias, num mês, ou num ano será aniquilado; que nem um só indivíduo sobreviverá, como de sua existência não sobreviverá nem um só traço: Que fará esse povo condenado, aguardando o extermínio? Trabalhará pela causa do seu progresso, da sua instrução? Este povo se entregará ao trabalho para viver? Respeitará os direitos, os bens, a vida do seu semelhante?  Serão submissos a qualquer lei ou autoridade por mais legítima que seja, mesmo a paterna? Haverá para ele, nessa emergência, qualquer dever? (Se os caros leitores se interessarem por esta temática que aqui estamos explorando, sugerimos para reflexão o filme e o livro "Ensaio sobre a Cegueira")

 

Certo que não. Pois bem! O que não ocorre coletivamente, a doutrina do niilismo realiza todos os dias isoladamente, individualmente. Senão vejamos.

Vamos pegar outro exemplo. Imaginemos um moço de dezoito anos, afetado de uma enfermidade do coração declarada incurável. A Ciência havia dado o veredicto: Poderá morrer dentro de oito dias ou de dois anos, mas não irá além. Sabendo disso, o moço para logo abandonou os estudos e entregou-se a excessos de todo o gênero.

Quando se lhe ponderava o perigo de uma vida desregrada, respondia: Que me importa, se não tenho mais de dois anos de vida? De que me serviria fatigar o espírito? Gozo o pouco que me resta e quero divertir-me até ao fim! Eis aí a conseqüência lógica do niilismo.

Se este moço fosse genuinamente religioso e espiritualista, teria dito:

 

"A morte só destruirá o corpo, que deixarei como fardo usado, mas o meu Espírito viverá. Serei na vida futura aquilo que eu próprio houver feito de mim nesta vida; do que nela puder adquirir em qualidades morais e intelectuais nada perderei, porque será outro tanto de ganho para o meu adiantamento; toda a imperfeição de que me livrar será um passo a mais para a felicidade. A minha felicidade ou infelicidade depende da utilidade ou inutilidade da presente existência. É portanto de meu interesse aproveitar o pouco tempo que me resta, e evitar tudo que possa diminuir-me as forças".

 

Diante disto, caros leitores, pergunto a vocês: Qual destas doutrinas é preferível - a niilista ou a espiritualista?

 

Entretanto, do que está sendo exposto, considere também que se as conseqüências não são desastrosas tanto quanto poderiam ser, é, em primeiro lugar, porque na maioria dos incrédulos há mais arrogância e petulância que verdadeira incredulidade, mais dúvida que convicção - possuindo eles mais medo do "nada" do que pretendem aparentar - o qualificativo de mentes fortes é elogio que massegeia a vaidade e o amor-próprio; em segundo lugar, porque os incrédulos absolutos se contam por pequena minoria, e sentem a seu pesar a preponderância da opinião contrária, mantidos por uma força material.

Torne-se, apesar disso, absoluta a incredulidade da maioria, e a sociedade entrará em ruína.

Eis ao que tende a propagação da doutrina niilista.

 

Porém, amigos, fossem, quais fossem as conseqüências do materialimso ou do niilismo, uma vez que se impusesse como verdadeira, seria preciso aceitá-la, e nem teses contrárias, nem a idéia dos males resultantes poderiam impedir a sua existência.

 

É necessário que se diga que, a despeito dos melhores esforços da religião, o ceticismo, a dúvida, a indiferença ganharão terreno cada vez mais se declarações em todos os meios de comunicação, ditas superficialmente e sem reflexões mais apuradas, forem feitas da forma como o Sr. Nilo Luza as expressou em seu artigo.

Mas, se a religião se mostra impotente para impedir a incredulidade (e isso é um fato), é que lhe falta alguma coisa na luta. Se por outro lado a religião se condenasse à imobilidade, estaria, em dado tempo, dissolvida.

O que lhe falta neste século de positivismo, em que se procura compreender antes de crer, é, sem dúvida, a confirmação e a demonstração de suas doutrinas por fatos positivos, assim como a concordância com os dados positivos da Ciência. Dizendo ela ser branco o que os fatos dizem ser negro, é preciso optar entre a evidência e a "fé cega".

 

E como se não bastasse o "ar de incredulidade" do Sr. Padre em questão a respeito de uma vida futura para as almas, ele encerra seu artigo escrevendo:

 

"Nossos falecidos, portanto, permanecem vivos em nossa memória, em nossa lembrança. É... costumamos visitar o cemitério e depositar flores no túmulo de nossos queridos. Eles nos deixaram, mas ainda os carregamos conosco na memória".

 

Como é que é? De fato eles só existirão em nossa memória? Serão mesmo a partir daí apenas uma lembrança?

A consequência é esta: no dia em que a última pessoa que carrega a lembrança de nossa existência deixar de em nós lembrar e pensar, neste dia estaremos definitivamente extintos e mortos! E a alma? E a nossa consciência? Bem, acho que nem precisamos mais comentar...

 

Sr. Nilo Luza, seja um religioso autêntico! Nos dias que correm as pessoas anseiam por algo mais substancioso em suas vidas porque os tempos são dificeis. Se a religião existe entre nós, é justamente porque uma realidade maior do que esta que vivemos existe desde sempre e eterna como o próprio Deus. E os fatos estão aí para demonstrar porque nunca houve povos de ateus! O sentimento de uma realidade extracorpórea existe, tal qual o sentimento da existência de um Ser Supremo. Sentimento que existe independentemente de rótulos religiosos ou de Educação porque sabe-se que os nativos sem instrução reverenciam deuses presentes na natureza e possuem suas crenças particulares.

Além disso, todos somos livres na escolha das nossas crenças; podemos crer em alguma coisa ou em nada crer, mas aqueles que procuram fazer prevalecer no espírito das massas, da juventude principalmente, a negação do futuro, apoiando-se na autoridade do seu saber e numa suposta superioridade de posição ou cargo, espalham na sociedade sementes de perturbação e dissolução, incorrendo em grande responsabilidade.