SOBRE DEUS E A TRINDADE CATÓLICA

17/05/2012 16:47

Deus não é uma criação humana e nem é o Deus particular de um povo. Não importando o nome que o chamemos, seja esse nome, Javé, Alá, Bramam, Krisna, Tao, Pai Criador, etc, etc, etc, Ele sempre será o Sumo Ente, a Verdade Absoluta, a Inteligência Primária, o Primeiro Motor e a Causa primeira de todas as coisas!

Resta saber se Ele é acessível a nós. Se o podemos compreender.

Sabe-se que umas das questões mais discutidas pelos filósofos de todos os tempos é justamente a questão de Deus. Ele existe? Não existe? O que é? Qual e a sua relação com o mundo? É possível afirmar ou negar a sua existência?

Entre aqueles que aceitam a ideia de Deus, existem dois caminhos: a religião buscando o apoio da Filosofia para mostrar a existência de Deus, e a Filosofia aceitando a experiência da religião para afirmar Deus. É verdade que podemos delimitar o campo da religião para o da revelação (quando Deus aparece, se revela, se mostra, fala por meio de um livro sagrado ou de uma tradição oral), ao passo que na Filosofia é o homem que busca, indaga, questiona e põe Deus como uma solução para os problemas últimos da existência.

E a relação da Ciência com Deus? Muita gente acha que a Ciência é necessariamente contra a existência de Deus, mas isso está longe da verdade. Em primeiro lugar, a Ciência em si não nega nem afirma a existência de Deus, porque Ele não é o objeto da pesquisa científica. O que há são cientistas que aceitam Deus e cientistas que negam Deus. Os que aceitam declaram que se o Universo tem uma linguagem que podemos decifrar e entender, se podemos descobrir como as coisas funcionam e expressar essas leis de forma matemática, então isso indica que há uma Inteligência por trás de tudo.

Há séculos, a Filosofia tem produzido argumentos a favor da existência de Deus e contra ela em diferentes contextos, condições históricas e culturais, estudando essa questão e reivindicando um determinado ponto de vista. Na filosofia de Platão, de Aristóteles, dos estoicos, dos escolásticos, de Descartes, Espinosa, etc, etc, a ideia de Deus está fortemente ligada à razão. Desde os gregos o esforço de muitos pensadores é justamente usar a razão para buscar, demonstrar e compreender Deus.

Somente de três séculos para cá, houve maior número de filósofos que argumentaram contra a existência de Deus ao ponto de se chegar mesmo a dizer-se que Deus estava “morto” na filosofia de Nietzsche. Mas tanto na sociedade quanto na Filosofia, tanto entre o povo como entre cientistas, Deus continua “vivo”, voltando sempre à discussão.

Foram David Hume e Immanuel Kant que fizeram uma crítica à razão humana, qualificando-a como incapaz de provar, buscar, entender ou definir qualquer coisa a respeito de Deus. Crise da razão cujas consequências vivemos até hoje. Mas é preciso dizer que tanto Kant como Hume não chegaram a negar a existência de uma realidade espiritual e a existência de Deus, o que eles fizeram foi mostrar a impossibilidade de a razão chegar a Deus pelos dados da realidade. A razão não poderia dar o veredicto final. Quem quisesse continuar com a ideia de Deus, que o fizesse apenas pela fé.

Na “filosofia relativista” há a possibilidade de se discutir de forma democrática todos os assuntos da alçada da Filosofia e das Ciências sem “as amarras” e proibições da Religião! E isso até onde sei acelerou o progresso da humanidade. Seria o progresso da humanidade o “imenso dano” fruto da filosofia relativista?

Quanto a Nietzsche, pensador nitidamente ateísta, ele criticou o socialismo marxista. E é muito mal interpretado pelos religiosos justamente por constatar que a ideia de Deus e de religião construída no Ocidente possui um significado desumanizante e perverso. Na sua filosofia até onde pude investigar, a crença na razão e a crença em Deus são faces de uma mesma moeda e pertencem a uma mesma estrutura filosófica, que ele pretendia superar com base em um niilismo filosófico. Nesse contexto, ele faz uma crítica ao Cristianismo como a religião dos fracos, pois impede a seleção dos fortes, constrói um ideal de servilidade e sacrifica a força do ser humano, afirmando ainda, que é uma religião antinatural que destrói valores, considerados por ele, como “saudáveis”, tais o orgulho, a virilidade, a liberdade, etc, além de criticar valores cristãos, como compaixão e fraternidade1.

Fato é que por mais que se tenha criticado a ideia de Deus (seja por Engels, Marx ou Nietzsche, etc), ela não desapareceu em nenhuma sociedade, em nenhuma cultura. Mesmo naquelas que foram maciçamente doutrinadas no ateísmo, como a sociedade russa, cubana ou chinesa (pela presença da ideologia marxista), as crenças ressurgem sempre2. E acreditamos que isso se deve ao fato de que a crença na existência de Deus seja algo inato no homem porque mesmo os selvagens sem nenhuma Educação nos moldes ocidentais possuem crenças em algo superior, seja pela adoração ao Sol, a Lua, às tempestades ou demais cultos.

Muitos por aí alardeiam que os que querem criticar por criticar “pegam trechos soltos dentro da Sagrada Escritura, para justificarem seu ponto de vista, construindo interpretações desvairadas sem o menor suporte factual”. E daí vem a pergunta: quem está com “a verdade”? Seriam os pensadores e pesquisadores que esmiúçam os textos sagrados, ou a Igreja que igualmente “pega trechos soltos dentro da Sagrada Escritura” para “justificar seus pontos de vista” e dogmas?

Vejamos como isso se aplica ao dogma da “divindade de Jesus”.

Sabemos que a questão da natureza do Cristo foi debatida desde os primeiros séculos do Cristianismo, sendo a divergência das opiniões sobre este ponto a geradora da maioria das seitas que dividiram a Igreja há dezoito séculos, sendo de notar-se que todos os chefes dessas seitas foram bispos ou membros titulados do clero. Consequentemente, homens esclarecidos, muitos deles escritores de talento, abalizados na ciência teológica, que não achavam concludentes as razões invocadas a favor do dogma da divindade do Cristo. Entretanto, como hoje, as opiniões se firmaram mais sobre abstrações do que sobre fatos (poderíamos mesmo nos exprimir assim? Pelas analises já realizadas acredito que sim). Sobretudo, o que se procurou foi saber o que o dogma continha de plausível, ou de irracional, deixando-se, geralmente, de um lado e de outro, de apontar os fatos capazes de lançar sobre a questão uma luz decisiva.

Mas, onde encontrar esses fatos, senão nos atos e nas palavras de Jesus?

Nada tendo Ele escrito, seus únicos historiadores foram os apóstolos que, tampouco escreveram coisa alguma quando o Cristo ainda vivia. Nenhum outro documento mais existe, além dos Evangelhos (e muitos deles apócrifos) e poucos escritos profanos sobre a sua vida e a sua doutrina. Aí somente é que se há de procurar a chave do problema. Todos os escritos posteriores, sem exclusão dos de Paulo (pelo que já expus), são apenas, e não podem deixar de ser, reflexos de opiniões pessoais, muitas vezes contraditórias, que, em caso algum, poderiam ter a autoridade da narrativa dos que receberam diretamente do Mestre as instruções.

Sobre esta questão, como sobre as de todos os dogmas, em geral, o acordo entre os Pais da Igreja e outros escritores sacros não seria de invocar-se como argumento preponderante, nem como prova irrecusável a favor da opinião de uns e outros, uma vez que nenhum deles citou um só fato, fora do Evangelho, sobre a natureza de Jesus; que nenhum deles descobriu documentos novos que seus predecessores desconhecessem.

Os autores sacros nada mais conseguiram do que girar dentro do mesmo círculo, produzindo apreciações pessoais, comentando sob novas formas e com maior ou menor desenvolvimento as opiniões contrárias às suas. Pertencendo ao mesmo partido, tiveram todos de escrever no mesmo sentido, senão nos mesmos termos, sob pena de serem declarados heréticos, como o foram Orígenes e tantos mais. Naturalmente, a Igreja só incluiu no número dos seus Pais os escritores ortodoxos, do seu ponto de vista; somente exaltou, “santificou” e colecionou aqueles que lhe tomaram a defesa, ao passo que repudiou os outros e lhes destruiu quanto pôde os escritos. Nada, pois, de concludente exprime o acordo dos Pais da Igreja, visto que formam uma unanimidade arranjada a dedo, mediante a eliminação dos elementos contrários. Se se fizesse um confronto de tudo que foi escrito pró e contra, difícil se tornaria dizer para que lado se inclinaria a balança.

Pondo de lado as sutilezas da escolástica, que unicamente serviram para tudo embaralhar sem esclarecer coisa alguma, é necessário nos ater exclusivamente nos fatos que ressaltam do texto do Evangelho e que, examinados friamente, conscienciosamente e sem espírito de partido, superabundantemente facultam todos os meios de convicção que se possam desejar. Ora, entre esses fatos, outros não há mais preponderantes, nem mais concludentes, do que as próprias palavras do Cristo, palavras que ninguém poderá refutar, sem infirmar a veracidade dos apóstolos. Pode-se interpretar de diferentes maneiras uma parábola, uma alegoria; mas, afirmações precisas, sem ambiguidades, repetidas cem vezes, não poderiam ter duplo sentido. Ninguém pode pretender saber melhor do que Jesus o que ele quis dizer, como ninguém pode pretender estar mais bem informado do que ele sobre a sua própria natureza. Desde que ele comenta suas palavras e as explica para evitar todo equívoco, é a ele que devemos recorrer, a menos lhe neguemos a superioridade que lhe é atribuída e nos sobreponhamos à sua própria inteligência. Se ele foi obscuro em certos pontos, por usar de linguagem figurada, no que se refere à sua pessoa não há equívoco possível. Vejamos então as palavras atribuídas a ele sobre essa questão.

Dirigindo-se a alguns de seus discípulos que disputavam para saber qual dentre eles era o maior, disse-lhes ele, chamando para junto de si uma criança:

“Quem quer que me receba, RECEBE AQUELE QUE ME ENVIOU, pois o que for o menor entre todos vós será o maior de todos.” (S. Lucas, 9:48.); “Quem quer que receba em meu nome a uma criancinha como esta, a mim me recebe; e aquele que me recebe não me recebe a mim, MAS RECEBE AQUELE QUE ME ENVIOU.” (S. Marcos, 9:37.); “Jesus lhes disse então: Se Deus fosse vosso Pai, vós me amaríeis, PORQUE FOI DE DEUS QUE SAÍ E FOI DE SUA PARTE QUE VIM; POIS, NÃO VIM DE MIM MESMO, FOI ELE QUE ME ENVIOU.”(S. João, 8:42.); “Jesus então lhes disse: Ainda estou convosco por um pouco de tempo e VOU EM SEGUIDA PARA AQUELE QUE ME ENVIOU.”(S. João, 7:33.); “Aquele que vos ouve a mim me ouve; aquele que vos despreza a mim me despreza; e aquele que me despreza, DESPREZA AQUELE QUE ME ENVIOU.” (S. Lucas, 10:16).

O dogma da divindade de Jesus se baseia na igualdade absoluta entre a sua pessoa e Deus, pois que ele próprio é Deus (correto?). É este um artigo de fé. Ora, estas palavras, que Jesus tantas vezes repetiu: Aquele que me enviou, não só comprovam uma dualidade de pessoas, como também, excluem a igualdade absoluta entre elas, porque aquele que é enviado necessariamente está subordinado ao que envia. Com o obedecer, aquele pratica um ato de submissão. Um embaixador, falando do seu soberano, dirá: Meu senhor, aquele que me envia; mas, se quem vem é o soberano em pessoa, falará em seu próprio nome e não dirá: Aquele que me enviou, VISTO QUE ELE NÃO PODE ENVIAR-SE A SI MESMO. Jesus o disse em termos categóricos: Não vim de mim mesmo; foi ele quem me enviou.

Estas palavras: Aquele que me despreza, despreza aquele que me enviou, não implicam absolutamente a igualdade, nem, ainda menos, a identidade. Em todos os tempos, o insulto a um embaixador foi considerado como feito ao próprio soberano. Os apóstolos tinham a palavra de Jesus, como este a de Deus. Quando ele lhes diz: Aquele que vos ouve a mim me ouve, certamente não queria dizer que seus apóstolos e ele fossem uma só e a mesma pessoa, igual em todas as coisas.

A dualidade das pessoas, assim como o estado de subordinação de Jesus com relação a Deus, ressaltam, ao demais, sem engano possível, das seguintes passagens:

“Fostes vós que permanecestes sempre firmes comigo nas minhas tentações. — Eis por que vos preparo o Reino, COMO MEU PAI MO PREPAROU, a fim de que comais e bebais à minha mesa no meu reino e que estejais sentados em tronos, para julgar as doze tribos de Israel.” (S. Lucas, 22:28 a 30.) “De mim digo o que VI JUNTO DE MEU PAI; e vós, vós fazeis o que ouvistes de vosso pai.” (S. João, 8:38.) “Ao mesmo tempo, apareceu uma nuvem que os cobriu e dessa nuvem saiu uma voz que fez se ouvissem estas palavras: ESTE É MEU FILHO BEM-AMADO; ESCUTAI-O.” (Transfiguração: S. Marcos, 9:7.) “Ora, quando o filho do homem vier em sua majestade, acompanhado de todos os anjos, assentar-se-á no trono de sua glória; — e, achando-se reunidas todas as nações, separará umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos bodes; — colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda. — Então, o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: VINDE, VÓS QUE FOSTES ABENÇOADOS POR MEU PAI, possuir o reino que vos foi preparado desde o começo do mundo.” (S. Mateus, 25:31 a 34.) “Aquele que me confessar e me reconhecer diante dos homens, eu também o reconhecerei e confessarei diante de meu Pai que está nos céus; — aquele que me renunciar diante dos homens, também EU MESMO O RENUNCIAREI DIANTE DE MEU PAI QUE ESTÁ NOS CÉUS.” (S. Mateus, 10:32 e 33.) “Ora, eu vos declaro que aquele que me confessar e me reconhecer perante os homens, o FILHO DO HOMEM TAMBÉM O RECONHECERÁ PERANTE OS ANJOS DE DEUS; — mas, se algum me repudiar perante os homens, eu também o repudiarei perante os anjos de Deus.” (S. Lucas, 12:8 e 9.) “Pois, se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, desse também se envergonhará o Filho do homem, quando estiver na sua glória e NA DE SEU PAI E DOS SANTOS ANJOS.” (S. Lucas, 9:26.) . (Nestas duas últimas passagens parece mesmo que Jesus coloca acima de si os santos anjos componentes do tribunal celeste, perante o qual seria ele o defensor dos bons e o acusador dos maus). “Mas, pelo que respeita a vos sentardes à minha direita ou à minha esquerda, NÃO ME COMPETE A MIM VO-LO CONCEDER; isso SERÁ PARA AQUELES A QUEM MEU PAI O TENHA PREPARADO.” (S. Mateus, 20:23.) “Ora, estando reunidos os fariseus, Jesus lhes fez esta pergunta: Que vos parece do Cristo? De quem é ele filho? Eles responderam: De David. — Como é então, retrucou ele, que David lhe chama em espírito seu senhor, nestes termos: O Senhor disse a meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu reduza teus inimigos a te servirem de escabelo para os pés? — ORA, SE DAVID LHE CHAMA SEU SENHOR, COMO É ELE SEU FILHO? (S. Mateus, 22:41 a 45.) “Mas, ensinando no templo, Jesus lhes disse: Como é, que os escribas dizem que o Cristo é filho de David, uma vez que o próprio David diz a seu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu haja reduzido teus inimigos a te servirem de escabelo para os pés? — Pois, se o próprio David lhe chama seu Senhor, como é ele seu filho?” (S. Marcos, 12:35 a 37; S. Lucas, 20:41 a 44.)

Por essas palavras, Jesus consagra o princípio da diferença hierárquica que existe entre o Pai e o Filho. Ele podia ser filho de David por filiação corporal, como descendente de sua raça e foi por isso que teve o cuidado de acrescentar: Como lhe chama ele em espírito seu Senhor? Se há uma diferença hierárquica entre o pai e o filho, Jesus, como filho de Deus, não pode ser igual a Deus. Ele confirma esta interpretação e reconhece a sua inferioridade com relação a Deus, em termos que não deixam lugar a dúvidas.

“Ouvistes o que foi dito: ‘Eu me vou e volto a vós. Se me amásseis, rejubilaríeis, pois que vou para meu Pai, porque meu Pai É MAIOR DO QUE EU’.” (S. João, 14:28.) “Aproxima-se então um mancebo e lhe diz: Bom Mestre, que bem devo fazer para alcançar a vida eterna?” Jesus lhe respondeu: “Por que me chamas bom? “NÃO HÁ SENÃO SOMENTE DEUS QUE É BOM. Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos.” (S. Mateus, 19:16 e 17; S. Marcos, 10:17 e 18; S. Lucas, 18:18 e 19.)

Não só Jesus não se deu, em nenhuma circunstância, por igual a Deus, como, neste passo, afirma positivamente o contrário: considera-se inferior a Deus em bondade. Ora, declarar que Deus lhe está acima, pelo poder e pelas qualidades morais, é dizer que ele não é Deus. As passagens que seguem apoiam as que citamos e também são bastante claras:

“NÃO TENHO FALADO POR MIM MESMO; MEU PAI, QUE ME ENVIOU, FOI QUEM ME PRESCREVEU, POR MANDAMENTO SEU, O QUE DEVO DIZER E COMO DEVO FALAR; — e sei que o seu mandamento é a vida eterna; o que, pois, eu digo é segundo o que meu Pai me ordenou que o diga.” (S. João, 12:49 e 50.) “Jesus lhes respondeu: MINHA DOUTRINA NÃO É MINHA, MAS DAQUELE QUE ME ENVIOU. — Aquele que quiser fazer a vontade de Deus reconhecerá se a minha doutrina é dele, ou se falo por mim mesmo. — Aquele que fala por impulso próprio procura a sua própria glória, mas o que, procura a glória daquele que o enviou é veraz, não há nele injustiça.” (S. João, 7:16 a 18.) “Aquele que não me ama não guarda a minha palavra, E A PALAVRA QUE TENDES OUVIDO NÃO É MINHA, MAS DE MEU PAI QUE ME ENVIOU.” (S. João, 14:24.) “Não credes que estou em meu Pai e que meu Pai está em mim? O que vos digo não o digo de mim mesmo; meu Pai que mora em mim, faz ele próprio as obras que eu faço.” (S. João, 14:10.) “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão. Pelo que respeita ao dia e à hora, ninguém o sabe, nem os anjos que estão no céu, NEM MESMO O FILHO, MAS SOMENTE O PAI.” (S. Marcos, 13:32; S. Mateus, 24:35 e 36.) “Jesus então lhes disse: Quando houverdes elevado ao alto o Filho do homem, conhecereis o que eu sou, porque NADA FAÇO DE MIM MESMO; MAS, DIGO O QUE MEU PAI ME ENSINOU; E AQUELE QUE ME ENVIOU ESTÁ COMIGO E NÃO, ME DEIXOU SÓ, PORQUE FAÇO SEMPRE O QUE LHE É AGRADÁVEL.” (S. João, 8:28 e 29.) “Desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou.” (S. João, 6:38.) “NADA POSSO FAZER DE MIM MESMO. Julgo segundo ouço e o meu juízo é justo, PORQUE NÃO PROCURO SATISFAZER À MINHA VONTADE, MAS À VONTADE DAQUELE QUE ME ENVIOU.” (S. João, 5:30.) “Mas, de mim, tenho um testemunho maior que o de João, porquanto as obras que MEU PAI ME DEU O PODER DE FAZER, as obras, digo, que eu faço dão testemunho de mim, que foi meu Pai que me enviou.” (S. João, 5:36.) “Mas, agora procurais dar-me morte, a mim que vos tenho dito a verdade QUE APRENDI de Deus; é o que Abraão não fez.” (S. João, 8:40.).

Desde que ele nada diz de si mesmo; que a doutrina que prega não é sua, que ela lhe veio de Deus, que lhe ordenou viesse dá-la a conhecer; que não faz senão o que Deus lhe deu o poder de fazer; que a verdade que ensina ele a aprendeu de Deus, a cuja vontade se acha sujeito, é que ele não é Deus, mas, apenas, seu enviado, seu messias e seu subordinado. É impossível recusar, de maneira mais positiva, qualquer assimilação sua a Deus, nem determinar o seu papel principal em termos mais precisos. Não há nos trechos acima pensamentos ocultos sob o véu da alegoria, que só à força de interpretações se possam descobrir. São pensamentos expressos em seu sentido próprio, sem ambiguidade.

Se objetarem que Deus, por não ter querido dar-se a conhecer na pessoa de Jesus, provocou uma ilusão acerca da sua individualidade, poderíamos perguntar em que se funda semelhante opinião, quem tem autoridade para lhe sondar o fundo do pensamento e para lhe dar às palavras um sentido contrário ao que elas exprimem. Pois que, em vida de Jesus, ninguém o considerava como sendo Deus; que todos, ao contrário, o consideravam um messias, se ele não quisesse que o conhecessem tal como era, bastaria não ter dito nada. Das suas afirmações espontâneas, deve-se concluir que ele não era Deus, ou que, se o era, voluntariamente e sem utilidade, fez uma afirmação falsa.

É de notar-se que João, o Evangelista sobre cuja autoridade mais buscaram apoiar-se os instituidores do dogma da divindade do Cristo, é precisamente o que oferece os mais numerosos e mais positivos argumentos em contrário. É do que pode convencer-se qualquer pessoa, lendo as passagens seguintes, porque de tais passagens ressalta evidente a dualidade e a desigualdade das duas ‘pessoas’: João, 5:16 e 17; João, 5:22 a 27; João, 5:37 e 38; João, 8:16; João, 17:1 a 5, 11 a 14, 17 a 26. Prece de Jesus; João, 10:17 e 18; João, 11:41 e 42. Morte de Lázaro; João, 14:30 e 31; João, 15:10.

Se Jesus, ao morrer, entrega sua alma às mãos de Deus (Lucas, 23:46) é que ele tinha uma alma distinta de Deus, submissa a Deus. Logo, ele não era Deus. De outra parte, outras palavras de Jesus, revelam certa fraqueza humana, certa apreensão quanto aos sofrimentos e à morte que lhe vão ser infligidos, o que contrasta com a natureza divina que lhe atribuem. Elas, porém, demonstram, ao mesmo tempo, uma submissão de inferior para superior (como em Mateus, 26: 36 a 42. Jesus no Jardim das Oliveiras).

Entretanto admitimos que certas palavras poderiam deixar alguma dúvida e dar a possibilidade de crer-se numa identificação de Deus com a pessoa de Jesus; contudo não poderiam prevalecer contra os termos precisos das que destaquei, uma vez que trazem consigo a devida retificação. Como por exemplo, em João 10, 29 e 30: “O que meu Pai me deu é maior do que todas as coisas e ninguém o pode arrebatar das mãos de meu Pai. MEU PAI E EU SOMOS UM”, querendo dizer Jesus que seu ‘Pai’ e ele são um pelo pensamento, pois que ele exprime o pensamento de Deus, pois que tem a palavra de Deus.

Noutro capítulo, dirigindo-se a seus discípulos, diz: “Nesse dia, reconhecereis que ESTOU EM MEU PAI E VÓS EM MIM E EU EM VÓS” (João, 14 : 20). Destas palavras, não há porque deduzir que DEUS E JESUS SÃO UMA ÚNICA ENTIDADE, POIS, DE OUTRO MODO, TAMBÉM SE TERIA DE CONCLUIR, DAS MESMAS PALAVRAS, QUE OS APÓSTOLOS E DEUS ERAM UM.

 

Portanto, como crer cegamente, diante do que foi exposto aqui, que é uma evidência a Divindade de Cristo e que está claramente documentada na Bíblia, se a maioria das palavras de Jesus sobre este ponto mostram o contrário?

 

Referencias

[1],[2] – INCONTRI, Dora & BIGHETO, Alessandro C. Filosofia. Construindo o Pensar. Volume Único. 3ª Ed., SP, Escala Educacional, 2010.